O Seminário (Re)Pensando Gênero foi promovido pela Enamat nos dias 15 e 16 de março.
Debater as diversas temáticas e estimular reflexões sobre as questões de gênero sob a ótica feminina de magistradas, acadêmicas e representantes de classe. Este foi o propósito do seminário “(Re) Pensando Gênero a partir das Convenções da Organização Internacional do Trabalho e Decisões da Corte Interamericana de Direitos Humanos”, realizado nos dias 15 e 16 de março, em Brasília.
Promovido pela Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados do Trabalho (Enamat), o evento contou com a participação do presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST) e do Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT), ministro Lélio Bentes Corrêa, na solenidade de abertura. O ministro destacou a necessidade de incorporarmos os normativos internacionais e decisões da corte interamericana à estrutura jurídica de proteção à dignidade de mulheres e outros grupos minorizados.
“Cabe a nós, juristas, fazer uso de todo este arcabouço normativo para que, pelo exercício da jurisdição, possamos contribuir para a superação das desigualdades sociais e de todas as formas de discriminação.”, afirmou. “Dessa forma, estaremos contribuindo para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária”, completou.
Para o diretor da Enamat, ministro Mauricio Godinho Delgado, o seminário demonstra a importância do debate sobre as questões de gêneros, um dos temas cardeais da concretização do Estado Democrático de Direito. “É uma preocupação da Justiça do Trabalho, uma vez que as mulheres ainda não alcançaram o patamar necessário de inserção, igualdade, respeito, e representatividade em todas as instituições”, destacou. “Estamos dando nossa contribuição para fornecer subsídios e instrumentos para que possamos aperfeiçoar a nossa atuação”, concluiu.
Transformação
O representante no Brasil da Organização Internacional do Trabalho (OIT), Vinícius Carvalho Pinheiro, ressaltou que é preciso uma ação imediata para reverter os desequilíbrios que ainda existem no mundo do trabalho, tornando-o mais inclusivo e justo para todas e todos. “A partir de instituições, como a Justiça do Trabalho, é que as leis se tornam realidade, pois magistradas e magistrados são os agentes da transformação. Apesar da realidade do mercado de trabalho ainda deixar muito a desejar, vamos analisar a aplicação das normas internacionais e de que forma elas podem auxiliar nas decisões e na elaboração dos processos”, disse.
Cuidado
O primeiro painel abordou “O Cuidado e a Convenção 156”, que trata sobre à Igualdade de Oportunidades e de Tratamento para os Trabalhadores dos dois Sexos: Trabalhadores com Responsabilidades Familiares. Uma das debatedoras, a consultora e advogada Luciane Toss, falou sobre o cuidado relacionado às tarefas que uma pessoa executa em relação a outra, seja remunerado ou não. Segundo ela, “Trazer essa discussão para o cenário trabalhista é de grande relevância, pois é este o sistema que define quem vai gozar dos direitos ou não. A imagem que a mulher tem na sociedade pode ser, significativamente, mudada a partir desse novo olhar do judiciário.”, explicou.
A pesquisadora e servidora do TST, Raquel Leite da Silva Santana, trouxe uma abordagem a partir de uma epistemologia negra para provocar uma reflexão de como a convenção pode ser analisada no Brasil, considerando as intersecções de gênero e raça. “Essas questões são um norte muito importante, considerando a nossa realidade, onde já alcançamos alguns avanços, especialmente, se tivermos dispostos a seguir um caminho que seja verdadeiramente inclusivo”.
Desigualdades
Na palestra “O trabalho doméstico e a Convenção 189”, a coordenadora-geral da Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas, Luiza Batista Pereira, e a representante legal da organização Themis: Gênero, Justiça e Direitos Humanos , Márcia Soares, fizeram um panorama sobre a realidade de desigualdades enfrentado por mulheres que atuam em casas de famílias.
Márcia Soares comentou sobre importância da convenção, pois, a rigor, do ponto de vista da regulação, ela serve para diminuir desigualdades importantes, uma vez que não há como falar sobre trabalho doméstico remunerado no Brasil sem entender que esta é a categoria organizada com maior índice de precarização. “O trabalho doméstico remunerado é o epicentro da intersecção entre os principais marcadores de discriminação que é o gênero, a raça e a classe”, observou.
Luiza Batista, por usa vez, fez uma contextualização histórica sobre o tema e reforçou que as domésticas sempre foram uma mão de obra pouco valorizada pelas classes sociais, sobretudo, as mais abastadas. “Dizer que não auferimos lucro a quem nos emprega é algo doloroso e sabemos que isso não é real”, afirmou. “Não geramos o lucro direto, mas um lucro invisível aos que se beneficiam do nosso trabalho. Por isso a necessidade de termos nossos direitos assegurados para nos garantir o futuro”.
Trabalho decente
Ao abrir o painel “Assédios e Violências e a Convenção 190”, Christen A. Smith, professora associada de Antropologia e Estudos da Diáspora Africana na Universidade do Texas (EUA), afirmou que os principais sistemas de opressão então interligados, ilustrando a situação, com exemplos ao longo da história, de mulheres negras americanas que foram vítimas de algum tipo de violência. “Precisamos lembrar que na luta contra o racismo sempre há uma luta contra um contexto estrutural que permite a violência da mulher negra”.
Por sua vez, a juíza auxiliar da presidência do TST e coordenadora da Comissão de Estudos relativos a questões de Gênero da Enamat, Patrícia Maeda, ressaltou que a Convenção 190 se destina a todas as pessoas no mundo do trabalho. “Temos o direito a um mundo livre de violência e assédio e essa convenção propõe uma abordagem inclusiva, integrada e sensível ao gênero para a prevenção e eliminação da violência e do assédio no mundo do trabalho e a promoção do trabalho decente”.
Papéis sociais
O painel de encerramento do seminário “Roda de conversa: Decisões da Corte IDH sobre questões de gênero” teve como palestrantes as acadêmicas Flávia Cristina Piovesan, (PUC/SP), Vera Karam (UFPR) e Helena de Souza Rocha (Universidade Tuiuti/PR).
Segundo a professora Flávia Piovesan, incorporar a perspectiva de gênero é justamente perceber a diferença que existe entre homens e mulheres no exercício dos direitos humanos e na violação desses direitos. “O que está em jogo são papéis sociais construídos que, ainda, submetem a mulher a situações de subalternidade e subordinação. Uma relação desequilibrada assimétrica que, tem na Justiça do Trabalho, um pólo transformador de direitos e realidades”, reforçou.
Vera Karam ressaltou que o evento é uma oportunidade única de compartilhar teorias e práticas comprometidas com novos desenhos institucionais e fez um recorte, sob a ótica do Direito Constitucional, sobre as questões de gênero, sobretudo para o enfrentamento das violações históricas de direitos sobre as mulheres.
Por fim, Helena de Souza Rocha trouxe uma abordagem sobre o tema baseada em sua atuação como diretora do programa Brasil Cone Sul do Centro pela Justiça. “Ainda temos muitas questões que se colocam num contexto de invisibilidade, tanto no Brasil quanto no mundo, mas temos a possibilidade de tirá-las desse lugar para que essas questões sejam mudadas e cumpridas “, finalizou.
Oficinas
O segundo dia do evento foi destinado à realização de três oficinas simultâneas destinadas às magistradas, magistrados, servidoras e servidores da Justiça do Trabalho. Os temas abordados foram:
- Reflexões críticas sobre a jurisprudência trabalhista brasileira à luz das Convenções da OIT e das decisões da Corte Interamericana de Direitos Humanos;
- Limites de Jornada e a Convenção 156; e
- Violência , Assédio e a Convenção 190.
(AM/AJ)