O evento é promovido pelo STF, pelo TST e pela Enamat.

Palestra do professor Michel Miné sobre as regras de prevenção de acidentes de trabalho aplicáveis na França. (Foto: Fellipe Sampaio - Secom/TST)

Palestra do professor Michel Miné sobre as regras de prevenção de acidentes de trabalho aplicáveis na França. (Foto: Fellipe Sampaio – Secom/TST)

O segundo e último dia do “Seminário Internacional sobre Direitos Constitucionais e Relações de Trabalho: Caminhos das Cortes Superiores para a Efetividade da Justiça Social” foi iniciado com o painel “Processo do Trabalho em Perspectiva Constitucional: acesso à justiça e devido processo legal”, com a exposição da professora Alessandra Benedito e a procuradora Gisele Santos Fernandes Góes.

Na sua apresentação, a professora Alessandra Benedito destacou a importância das mudanças sociais. “Se desejamos construir uma sociedade que seja menos desigual, é essencial alterar as estruturas institucionais reprodutoras das desigualdades. Não é possível erradicar a pobreza no mundo sem, drasticamente, reduzir os níveis de desigualdade”, disse. “Eles interferem na capacidade do Estado e da sociedade de redistribuir a renda, erguendo barreiras à mobilidade social e mantendo uma parcela da população em condição de pobreza e miserabilidade”, completou.

A procuradora Gisele, por sua vez, explicou que o acesso à justiça não é somente o acesso ao Poder Judiciário, mas o acesso à uma determinada ordem de princípios e valores que são fundamentais para o ser humano. “A problemática do acesso à justiça não pode ser estudada nos acanhados limites do acesso aos órgãos judiciais já existentes. Não se trata apenas de possibilitar o acesso à Justiça enquanto instituição estatal, e sim de viabilizar o acesso à ordem jurídica justa”, esclareceu.

Precaução e prevenção

O professor Michel Miné e a professora Ivone Corgosinho Baumecker apresentaram os painéis sobre “Acidentes do Trabalho na Perspectiva do Meio Ambiente do Trabalho: precaução e prevenção”. O docente tratou das regras de prevenção de acidentes de trabalho aplicáveis na França, além do princípio da prevenção, a sua natureza, o seu conteúdo, a sua extensão e a sua adoção. Além disso, abordou sobre o direito positivo e analisou o direito positivado. “As funções do direito são alertar, recusar, periciar, prevenir, encerrar, reparar, punir e prevenir”.

Por sua vez, a professora Ivone abordou os perigos dos acidentes de trabalho, segurança no modelo tradicional e no modelo diferente. De acordo com Baumecker, na segurança tradicional, as pessoas são um problema a controlar, deve ser dito o que fazer e é medido o êxito pela ausência de negativos. Já na segurança diferente, as pessoas são a solução, devendo ser perguntado o que elas necessitam e o êxito é medido pelas capacidades que fazem com que as coisas corram bem.

Erradicação do Trabalho Infantil e Forçado

A ministra do TST Kátia Magalhães Arruda e a professora Valena Jacob Chaves abordaram o tema “Os Direitos Sociais e a Erradicação do Trabalho Forçado, da Escravidão de Qualquer Natureza, do Tráfico de Pessoas e do Trabalho Infantil”. A magistrada falou sobre o valor do trabalho para a sociedade e sobre as formas de aniquilamento da sociedade.

“Devemos falar do valor social do trabalho como pauta prioritária, portanto, questão essencial sem a qual não é possível conceber plenitude de desenvolvimento econômico ou social”, disse. “O Brasil jamais será um país desenvolvido se não romper com a ótica que desvaloriza o trabalho humano e que cristaliza essa absurda ética de desvalorização do trabalho”, completou.

A  professora Valena aprofundou sua apresentação no tema trabalho escravo. A docente falou sobre o conceito de trabalho escravo contemporâneo e ressaltou que o trabalho análogo ao de escravo é o trabalho forçado, com jornada exaustiva e atividade degradante, além da restrição da locomoção em razão de dívida contraída com empregador ou preposto. Outro destaque foi os pontos em comum nas teses do judiciário criminal e trabalhista que afasta o reconhecimento do trabalho escravo.

Liberdade sindical

Ao abrir o painel “Democracia, Sindicalismo e Liberdade Sindical”, o ministro Luiz Fux, do STF, afirmou que a liberdade sindical, que marca o relacionamento entre empregados e empregadores, traz as soluções mais adequadas, construídas a partir dos ajustes coletivos. “A democracia é diálogo, não é silêncio, mas uma voz ativa, uma concordância forjada, um debate construtivo, sobretudo quando está em jogo a valorização do trabalho humano e a liberdade sindical”, disse.

O ministro Mauricio Godinho Delgado, do TST, explicou que a ideia de liberdade sindical surgiu no século XIX como um conceito essencialmente coletivo. Para ele, a liberdade de um indivíduo isolado é bastante limitada, na medida em que suas condições econômicas, sociais, culturais são inferiores em relação ao poder econômico e político. “O ser humano apenas conseguiu vitórias significativas a partir da sua atuação coletiva”, defendeu.

O professor Sandro Lunard Nicoladeli, da Universidade Federal do Paraná, apresentou um diagnóstico das relações sindicais no mundo, resultado de pesquisa realizada pela Confederação Sindical Internacional com mais de 20 mil trabalhadores. Entre os sintomas políticos e socioeconômicos revelados pela pesquisa está a sensação de rompimento do contrato social, que sinaliza uma democracia em crise. Segundo Lunard, os pesquisados demonstraram uma clara necessidade de proteção social, por meio do fortalecimento da legislação, do salário mínimo e dos sindicatos.

Tecnologias disruptivas

A ministra Delaíde Miranda Arantes, do TST, que presidiu a mesa “Tecnologias Disruptivas e a Proteção do Trabalho Humano”, salientou a necessidade de assegurar trabalho digno a todas as pessoas, especialmente as que estão em atividades informais. Ela observou que a PNAD contínua do IBGE, divulgada no final de fevereiro, constatou que a quantidade de trabalhadores sem carteira assinada chegou a 12,9 milhões, o maior número da série histórica, e a taxa de informalidade foi de 39,6%.

A professora Teresa Coelho Moreira, da Universidade do Minho, em Portugal, apontou a necessidade de regulamentação de atividades em plataformas digitais, de forma a dar efetiva proteção aos trabalhadores. Ela observou que a grande maioria dessa força de trabalho não é de empreendedores, mas de trabalhadores precarizados, com remuneração baixa e jornada extensa. Para a professora, é essencial regulamentar esse formato de contratação e acabar com a impunidade das plataformas digitais, reconhecendo a existência de contrato de trabalho, dependendo do formato e das circunstâncias da atividade.

Para o  procurador do trabalho Rodrigo Carelli, a única novidade das plataformas digitais é a intermediação de um serviço que já existia anteriormente, como o transporte de passageiros ou a entrega de mercadorias. Ele considera que a Uber se tornou o símbolo de uma disrupção no mundo do trabalho, ao transferir os custos da atividade para os trabalhadores. Em vez de comprar veículos e contratar pessoas, funciona como intermediária entre o motorista e o contratante do serviço de transporte. Carelli lembrou que, em diversos países, já há decisões judiciais reconhecendo a subordinação dos trabalhadores às plataformas, consideradas terceirizadoras, e não empresas de tecnologia.

Experiência espanhola

Na  conferência de encerramento do seminário, a magistrada Rosa Maria Virolés Piñol, do Tribunal Supremo da Espanha, abordou a aplicação do princípio da igualdade na jurisprudência espanhola, apresentando diversos casos concretos. Ela citou julgamentos sobre discriminação de gênero nas relações de trabalho, principalmente evolvendo as mulheres, dispensa ilegítima, direito à indenização e ampliação de prestação de seguridade social. “Que o princípio da igualdade alcance sua finalidade entre homens e mulheres, não só igualdade legal, mas uma igualdade real”, afirmou.

Encerramento

No encerramento, o presidente do TST, ministro Lelio Bentes, afirmou que todas as lições ouvidas nos painéis lhe trouxeram a vontade de ser um juiz e uma pessoa melhores. “Precisamos construir uma justiça melhor, humana, presente e constante na vida dos mais vulneráveis”, disse.

Para o diretor da Enamat, ministro Mauricio Godinho Delgado, é fundamental, na democracia, o processo aberto de diálogo e a compreensão sobre as diversas perspectivas do direito constitucional. “Crescemos muito nessa experiência, que certamente nos dará um alicerce para continuarmos os nossos desafios que são enormes”, ressaltou.

A presidente do STF, ministra Rosa Weber, reiterou a honra de a Corte ter recebido a comunidade trabalhista nesses dois dias de um evento tão proveitoso, “que tantas luzes lançou e reflexões está a proporcionar”. Segundo ela, a missão do Supremo é a proteção da jurisdição constitucional e a integridade do regime democrático, bem como a defesa intransigente da Constituição Federal e do estado democrático de direito. “Reafirmo que este momento é mais uma prova de que a nossa democracia restou inabalada e continua inabalável”, finalizou.

Veja também:

2/3/2023 – Presidentes do STF e TST abrem seminário sobre Direitos Constitucionais e Relações de Trabalho

2/3/2023 – Seminário discute experiências internacionais sobre o sistema judicial trabalhista

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(NV/AJ)