Juízo 100% digital, tecnologias aplicadas ao direito e LGPD foram alguns dos temas tratados no segundo dia do evento

O juízo 100% digital e a Lei Geral de Proteção de Dados foram alguns dos temas debatidos nesta quinta-feira (12), no segundo dia do seminário telepresencial “Direito Digital, Lei de Proteção de Dados e Inteligência Artificial”. O evento é uma iniciativa da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados do Trabalho (Enamat) em parceria com o Centro de Formação e Aperfeiçoamento de Assessores e Servidores do TST (Cefast).

Juízo 100%

O ministro e conselheiro da Enamat, Alexandre Luiz Ramos, presidiu a mesa do painel “Juízo 100% digital – A novíssima decisão do Conselho Nacional de Justiça”, que teve como palestrantes a desembargadora do Tribunal Regional do Trabalho da 4º Região (RS) e conselheira do CNJ, Tânia Regina Silva Reckziegel; e o desembargador do Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF-5) e presidente da Comissão Permanente de Tecnologia da Informação e Inovação do CNJ, Rubens de Mendonça Canuto Neto .

O “Juízo 100% digital”, regulamentado pela Resolução CNJ 345/2020, possibilita ao cidadão utilizar a tecnologia para ter acesso à justiça sem a necessidade de comparecer fisicamente aos fóruns. Todos os atos processuais serão publicados, exclusivamente, por meio eletrônico e remoto. A medida também alcança as audiências e sessões de julgamento, que passam a ser realizadas por videoconferência, sendo possível a utilização de salas disponibilizadas pela justiça nos Tribunais.

Celeridade

A desembargadora Tânia Reckziegel explicou que a escolha da modalidade é facultativa e caberá a cada tribunal decidir adotá-la ou não. “Na verdade, o juízo 100% digital não é algo novo para a Justiça do Trabalho, pois é muito similar ao processo eletrônico que já utilizamos.”, disse. “Nós temos um Brasil muito diferente e, se for possível determinado tribunal adotar essa prática, isso trará celeridade aos julgados. Caso contrário, continuaremos no sistema presencial, mas diante dos desafios trazidos pela pandemia, era preciso sermos corajosos, nos posicionarmos e darmos uma orientação para o judiciário”, completou.

Já o desembargador Rubens Canuto ressaltou que a implementação da plataforma digital reforça a atuação do CNJ na busca pela celeridade na prestação jurisdicional. Segundo ele, a pandemia possibilitou a aproximação dos tribunais da tecnologia. “Estamos buscando a efetividade da jurisdição e esta plataforma permite aproximar o judiciário do cidadão. Na pandemia, o judiciário foi colocado diante do desafio de se modernizar e julgar a distância. A necessidade trouxe o aperfeiçoamento e nos mostrou a eficiência dos julgamentos telepresenciais.”, reforçou.

De acordo com o ministro do TST Alexandre Luiz Ramos, a pandemia acelerou a implantação da justiça e o que o cidadão espera é celeridade na prestação de todos os serviços, inclusive no tempo jurisdicional, “No TST tivemos um incremento de produtividade, mas ainda temos muitos desafios que serão resolvidos com o propósito de prestar o melhor serviço jurisdicional para a sociedade.”, concluiu.

Inovações

O segundo painel da manhã abordou as “Tecnologias aplicadas ao Direito: Smart contracts, Blockchain, Lawtechs e legaltechs”, e teve como mediador o ministro e diretor do Cefast, Breno Medeiros. Os palestrantes foram o advogado especialista em ciência de dados aplicada ao Direito, Alexandre Zavaglia, e a juíza de Direito do Tribunal de Justiça de São Paulo e membro do Núcleo de Direito Digital do TJSP, Renata Baião.

O ministro Alexandre Luiz Ramos falou sobre como o uso da tecnologia vem sendo, cada vez mais, utilizada pelos operadores do direito na busca pela melhoria de indicadores que possibilitam maior agilidade e qualidade nas tomadas de decisões, “Atualmente, existe no judiciário brasileiro mais de 72 projetos de inteligência artificial em uso. Isto demonstra que são os profissionais de direito que estão criando as inovações. A tecnologia nos traz os elementos, mas a sentença será sempre do juiz”.

Para a magistrada, o importante é observarmos o que a inovação tecnológica pode fazer pelas pessoas e os impactos jurídicos trazidos por estas ferramentas. Ao falar sobre o uso da “Blockchain”, que é uma estrutura de dados, ela ressalta que, observando-se o potencial dessa ferramenta criou-se várias outras soluções. “É uma tecnologia que, necessariamente, não age de forma isolada, mas que se combinada a outras tecnologias, como a inteligência artificial, pode produzir resultados muito relevantes para as mais diversas relações jurídicas e comerciais”, concluiu.

Aspectos gerais da Lei Geral de Proteção de Dados

Na período da tarde, a programação fez um panorama sobre a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) brasileira e debateu implicações nas relações trabalhistas. O advogado e economista Renato Opice Blum traçou um histórico da LGPD europeia e explicou que o normativo foi uma das referências utilizadas na elaboração da lei brasileira. “A proteção de dados da LGPD chega de forma transversal, impactando todas as áreas jurídicas e as relações humanas. No Direito do Trabalho, temos nuances que envolvem a gestão e o vazamento de dados e também o consentimento do trabalhador”, contextualizou.

Ao analisar aspectos gerais da lei, o painelista explicou que haverá um trabalho de harmonizar a aplicação e interpretação do texto e ainda citou quatro bases legais para o uso de dados: execução do contrato firmado, cumprimento de norma legal, legítimo interesse do dono dos dados e consentimento. “O controlador deve adotar todas as medidas a seu alcance para restringir e proteger a informação, especialmente dados sigilosos e sensíveis. Na premissa da proteção, deve-se fazer uma modulação do princípio da publicidade em face da segurança”, concluiu.

O advogado e professor Rodrigo Marques explicou que, pela lei, o controlador define o destino dos dados obtidos, enquanto o operador apenas age a mando deste. Os conceitos são importantes para definir a responsabilidade da implementação da governança dos dados. “A governança de dados traz hoje a ideia de mudança de cultura. Entender onde estão os dados, quais são, para onde vão, qual é o ciclo de vida dos dados dentro da empresa e para qual finalidade ele foi coletado. A lei deixa claro que o desvio de finalidade é tão punível quanto o vazamento desses dados”, destacou.

LGPD nas relações de trabalho

No âmbito das relações de trabalho, a LGPD visa proteger a privacidade e a intimidade, mas a lei protege também o direito concorrencial, aspectos de soberania e outras questões econômicas. “A lei busca proteger dados sensíveis, que são dados pessoais com um atributo potencialmente causador de descriminação. Alguns exemplos são origem racial, convicção religiosa, opinião política, dados biométricos, estado de saúde”, explicou o professor e juiz do Trabalho da 3ª Região (MG) Iuri Pinheiro. Essas informações, se vazadas, podem influenciar na contratação de um trabalhador, por exemplo.

Segundo o magistrado, no contexto atual, até o uso de webcam durante o teletrabalho pode expor a privacidade dos outros moradores da casa de um empregado. “Precisamos ter a compreensão de que a casa, como asilo inviolável, não pode ser registrada sem autorização, como no caso de videoconferências”. O magistrado citou exemplos de audiências que geraram constrangimento e do cuidado que o judiciário deve ter com dados pessoais.

A desembargadora do TRT da 1ª Região (RJ) Vólia Bonfim, por sua vez, destacou que a lei se destina a pessoas físicas, e as pessoas jurídicas que buscam proteção dos dados devem procurar amparo em outros dispositivos legais, como o Código Civil. “A LGPD não proíbe a coleta e tratamento de dados, mas define princípios, finalidades, limites e punições”, resumiu.

(Andrea Magalhães/Vinícius Cardoso/AJ)