O juiz do trabalho brasileiro deu um salto quando deixou de perceber o mundo sob a ótica restrita da CLT e passou a freqüentar a Constituição Federal, a partir de 1988. Agora, é preciso ir além, aos instrumentos internacionais, buscar inspiração para sua atuação. A opinião é do ministro Lelio Bentes Corrêa, do Tribunal Superior do Trabalho e integrante da Comissão de Peritos em Aplicação de Normas Internacionais da Organização Internacional do Trabalho (OIT), manifestada em palestra na Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados do Trabalho (Enamat), em Brasília. “Na Constituição, descobrimos coisas fantásticas, uma liberdade na aplicação de princípios que tem sido o motor de uma evolução jurisprudencial significativa”, afirmou. “Agora, precisamos ampliar nossa visão para alcançar as normas da OIT, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, os Pactos Internacionais dos Direitos Civis e Políticos e dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, o Pacto de San José da Costa Rica”, sugeriu Lelio Bentes a uma platéia formada por juízes do trabalho substitutos que acabaram de chegar à carreira da magistratura.

O ministro lembrou aos jovens colegas que o trabalho do magistrado não é tão isolado quanto possa parecer. “O titular da Vara do Trabalho de Cacoal, em Rondônia, ao prolatar sua sentença, desenvolve uma atividade que se insere num contexto mundial”, afirma. Por isso, ele deve buscar integrar na sua atuação esses elementos de uma base de pensamento bastante rica e encontrar, nessas normas internacionais, uma poderosa fonte de inspiração e de reflexão sobre a melhor forma de aplicar o direito interno. “Elas pretendem estabelecer, em caráter universal, um mínimo ético abaixo do qual nenhuma conduta será tolerada.”

Lelio Bentes explicou que o princípio fundamental que norteia a atuação da OIT é o de que o trabalho não é uma mercadoria – e, consequentemente, o trabalhador não é um objeto. “É lícito, sob a ótica capitalista, que se extraia mais valia, que se obtenha lucro com a transformação do bem agregando valor”, diz o ministro. “Mas obter o lucro exclusivamente pela exploração da mão-de-obra, como é o caso das terceirizações que visam afastar do tomador de serviço as obrigações sociais e tributários e forçar os salários para baixo, não é.”

A OIT, criada em 1919, foi uma das poucas agências internacionais poupadas quando da extinção da Liga das Nações. O ministro do TST assinala que, antes da criação da Organização das Nações Unidas, ela “foi capaz de se reinventar e reformar radicalmente sua visão de mundo”, passando da mera proteção de países contra a concorrência desleal para uma visão humana do trabalhador como titular de direitos. “O processo que marca a evolução do trabalho é mundial. Logo, as soluções não podem ser exclusivamente locais”.

Lelio Bentes destacou que, em seu trabalho cotidiano, os juízes do trabalho devem ter em mente que as normas internacionais são de conteúdo mínimo, e não máximo. “Qualquer disposição contida numa convenção não pode ser interpretada no sentido de reduzir uma garantia maior já assegurada na legislação interna, contratação coletiva ou até no contrato individual.” E lembrou que o que se concebe no mundo das ideias em Genebra só se torna concreto e se traduz em verdadeira garantia quando efetivamente aplicados no dia-a-dia do trabalhador. “E vocês são a primeira e a mais importante trincheira dessa cultura no mundo do trabalho no Brasil”, concluiu.

(Carmem Feijó)

1016lelio-bentes