“Quando estudei, na faculdade, que o Direito se relaciona com diversas outras ciências e disciplinas, nunca poderia imaginar que uma delas seria a Física.” A frase, do desembargador Rafael Pugliese Ribeiro, do TRT/SP, resume os desafios apresentados pela presença cada vez mais constante da tecnologia no exercício da magistratura trabalhista – que deve se acentuar ainda mais com a concretização do processo judicial totalmente eletrônico. Este foi o tema de exposição realizada ontem, na Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados do Trabalho (Enamat), pela Comissão de Avaliação de Projetos de Informática (CAPI) do Conselho Superior da Justiça do Trabalho a uma turma de juízes recém-empossados em diversos Regionais.
Rafael Pugliese, integrante da CAPI há mais de três anos, explicou aos novos colegas que a Justiça do Trabalho tem um parque tecnológico respeitável, cuja dimensão e complexidade são pouco conhecidas. Os números, de fato, são impressionantes: 40 mil estações de trabalho em produção (só em São Paulo são quatro mil), 40 milhões de consultas anuais a andamento processual (em momentos de pico, chegam a três mil por segundo). A Rede Nacional da JT, em implantação, permite a conexão entre todas as 1.372 Varas do Trabalho existentes no País, os 24 Tribunais Regionais, o TST e o CSJT, além de um grande número de aplicações em desenvolvimento – telefonia por protocolo IP, por exemplo. Um usuário em São Paulo pode falar com Altamira, no Pará, ao custo de uma ligação local.
Estes recursos têm sido constantemente aprimorados, em benefício não só da prestação jurisdicional como também da administração dos Tribunais. “As 40 mil estações de trabalho guardam uma quantidade enorme de informações – servidores de aplicação, storage, links de internet, servidores de backup, filtros de conteúdo, aplicações de gerenciamento de risco, sala-cofre, sala de segurança – é uma estrutura que usa não só a fibra óptica, mas até comunicação por rádio”, explicou Pugliese.
Processo eletrônico X digitalização
A meta mais promissora – e ambiciosa – da Justiça do Trabalho é a implantação efetiva do processo eletrônico, batizado de SUAP – Sistema Unificado de Administração de Processos. Os integrantes da CAPI fizeram questão de frisar a diferença entre processo eletrônico e digitalização de processos. “O conceito de processo eletrônico excede a mera trasladação de papéis para o meio digital”, explica Pugliese. Não se trata, portanto, de escanear papéis e transformá-los em arquivos digitais. “O SUAP será uma grande revolução, uma grande revisão de nossas práticas cartorárias.”
A juíza Cristiane Souza de Castro Toledo, de Minas Gerais, esclareceu que já existem atos processuais eletrônicos, como o Diário Eletrônico, a Carta Precatória Eletrônica, o Peticionamento Eletrônico. Ela assinalou, ainda, que a tecnologia auxilia muito na tramitação processual, mas nem tanto na decisão do juiz propriamente dita. Uma das grandes vantagens, na sua avaliação, é a publicidade do processo, que passará a estar disponível na Internet e permitirá uma participação mais efetiva das partes, que poderão acompanhar os atos de seus advogados. Nos TRTs da 12ª Região (SC) e da 13ª (PB), já funcionam Varas do Trabalho virtuais, onde o processo tramita sem papel e as peças podem ser acompanhadas pela internet, 24 horas por dia, sete dias por semana.
Redefinição de modelos e espaços
Tudo isso demandará da magistratura uma reorientação de sua cultura – daí a referência do desembargador à interdisciplinaridade com as ciências exatas. “O grande diferencial é que, no processo eletrônico, o principal insumo deixa de ser o papel e passa a ser a eletricidade”, diz. Seu conselho aos recém-chegados à carreira: “prestem atenção às mudanças da sociedade, à evolução dos acontecimentos, andem de mãos dadas com elas, aceitem mudar a todo tempo, procurem continuamente uma nova maneira de fazer coisas antigas”.
As modificações práticas que este processo acarretará à atual estrutura do Judiciário Trabalhista serão inúmeras. Pugliese acredita que a Justiça mudará tanto quanto os bancos mudaram nas últimas décadas, redefinindo tanto as práticas quanto os espaços utilizados. Hoje, a Justiça do Trabalho ocupa no Brasil 1,5 milhões de metros quadrados em instalações físicas. “Esta área vai ser reestudada, porque não vamos precisar mais de espaço para guardar papéis”, diz. “Os servidores terão um papel maior de assessoria do que de tarefas cartorárias, e haverá uma elevação na qualidade da mão de obra.”
Para o juiz Carlos Augusto de Lima Nobre, a informatização do processo levará a mudanças de paradigmas na atuação do juiz. “No futuro, as decisões contarão com ferramentas para fazer novas referências. A mudança do juiz tem de ser nesse pensamento”, afirmou, citando como exemplo a gravação de audiências: mesmo com os depoimentos gravados, muitos juízes ainda transcrevem as perguntas e respostas no papel. Para ele, porém, é fundamental que as ferramentas sejam usadas em prol das partes. “O processo virtual fará mais sucesso se conseguir angariar mais adeptos – Ministério Público, advogados, partes. Os clientes precisam utilizar e fazer a propaganda, e vocês têm a oportunidade de antever o projeto e já se preparar”, disse aos novos juízes.
(Carmem Feijó/Enamat)