Conflito entre expectativas sociais e subjetivas, compatibilidade entre carreira e vida pessoal, inflação do ego. Estes foram alguns dos aspectos da atividade do magistrado abordados na mesa-redonda “Psicologia Judiciária”, realizada hoje (05) na Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados do Trabalho (Enamat), como parte da programação do 8º Curso de Formação Inicial, voltado para juízes recém-ingressos na carreira. Duas especialistas – Juliana Barros de Oliveira, psicóloga da linha cognitivo-comportamental, e Regina Márcia Manicardi Vaz, psicanalista – integraram a mesa, coordenada pelo ministro João Batista Brito Pereira, vice-diretor da Escola.

Juliana Oliveira tratou principalmente da importância do equilíbrio das tensões entre as expectativas sociais em relação ao papel e à atitude do juiz – independência, imparcialidade, conhecimento, cortesia, transparência, integridade, dignidade, honra e decoro, entre outras – e os aspectos e aspirações subjetivos, da personalidade individual. Esta tensão, associada ao grande volume de trabalho e à responsabilidade do cargo, é fator de geração de estresse que afeta tanto a vida pessoal quanto o desempenho profissional.

A psicóloga explicou que o juiz sofre influência de um “repertório comportamental” resultante de sua história de vida, que inclui tanto seus conhecimentos técnico-jurídicos quanto suas cognições e sentimentos decorrentes de experiências anteriores, desde o nascimento. “É necessário conhecer cada uma dessas variáveis para que se possa controlá-las”, afirmou. Outro dado importante é que o juiz busque conhecer de forma mais abrangente possível o conflito real entre as partes – que geralmente não se encontra nos autos – pelo exercício da empatia, a capacidade de perceber o estado emocional do outro por meio da observação e interpretação de comportamentos não-verbais. “A baixa habilidade empática produz julgamento precipitado do outro e de seus comportamentos”, acredita Juliana Oliveira.

A segunda expositora, Regina Vaz, abordou o mesmo tema, mas sob a ótica freudiana, chamando a atenção para os aspectos inconscientes que regem não só a atuação do próprio juiz, mas também a das partes durante uma audiência. Citando o jurista Eduardo Leite de Oliveira, ela endossou a explanação de Juliana ao afirmar que um perfeito domínio da subjetividade é a única garantia da objetividade na análise de cada caso. Quanto mais o juiz conhecer os fatores conscientes e inconscientes de seu juízo crítico, mais isenção ele terá, pois agirá de forma mais consciente.

O coordenador da mesa-redonda, ministro Brito Pereira, lembrou já ter visto, na prática, decisões fortemente influenciadas por fatores inconscientes e subjetivos. “Recentemente, examinei um acórdão de Tribunal Regional sobre reconhecimento de vínculo de emprego de vendedor autônomo”, contou. O relator, em seus fundamentos, fez referência a seu pai, que também fora autônomo, e, por isso, julgou conhecer a situação. Com base nisso, reformou a sentença de primeiro grau para reconhecer o vínculo. “O TST acabou restabelecendo a sentença, porque a decisão de segundo grau foi permeada de mágoas, em que fatores da vida particular do julgador contaram muito mais do que a prova e as características da demanda.”

“Juizite”

Nos debates, uma das questões colocadas pelos alunos foi relativa à inflação do ego do juiz – definida pelo próprio aluno-juiz  como “juizite” – e os mecanismos de proteção contra ela. Para Juliana Oliveira, não se trata de uma patologia do juiz, e sim da sociedade, que, “da noite para o dia”, projeta naquele que se torna juiz a expectativa de solução de todos os problemas, de sabedoria máxima, de poder. A saída? “É preciso estar vigilante, atento, e escolher não remar com a maré”, aconselhou. “Se não se prestar atenção a essa conduta da sociedade e à distorção que ocorre nos seus relacionamentos em função disso, acontece a ‘juizite’.” O aspecto mais negativo dessa inflação do ego é, na sua opinião, a solidão.

(Carmem Feijó/Enamat)