O 8º Encontro Institucional da Magistratura do Trabalho da 5ª Região, que ocorreu de 8 a 12 de abril, encerrou a programação debatendo invisibilidade social e o papel do magistrado na contemporaneidade.
Na sexta (12), último dia do evento, o psicólogo Fernando Braga, que trabalhou durante dez anos como gari, recolhendo lixo e varrendo ruas da Universidade de São Paulo, falou sobre alteridade, dominação, invisibilidade pública e escravidão.
Com o uniforme laranja da Comlurb, Braga expôs como a percepção humana é condicionada ao papel social de uma pessoa, tendo ele mesmo passado despercebido durante anos, simplesmente porque estava vestido de gari. Para o psicólogo, “pelas represálias oficiais e extraoficiais que o projeto sofreu durante a fase embrionária, esse é um problema a ser enfrentado, inclusive, dentro da própria magistratura”.
A experiência de Braga inspirou a criação do projeto Vivendo o Trabalho Subalterno no Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região (TRT1). O projeto proporciona ao magistrado a prática durante um dia em funções menos valorizadas socialmente, como garis, faxineiros, cobradores de ônibus e caixas de supermercado.
O psicólogo defende que a “experiência” não seja por adesão voluntária. “Espero que isso não dependa apenas do diretor da Escola Judicial, mas que possa ser algo previsto de maneira regular e que seja obrigatório, porque faz parte da nossa sociedade essa cisão entre trabalho intelectual e trabalho braçal. Atualmente, boa parte dos juízes que ingressam na magistratura não tem nem experiência como advogados, quanto mais pegar numa vassoura”.
Dividindo o espaço com Braga, o desembargador do TRT1 Marcelo Augusto Oliveira, que participou do projeto tanto como diretor da Escola Judicial da 1ª região como da prática etnográfica, falou sobre os fundamentos da vocação de juiz e a formação de magistrados.
Em sua apresentação, Oliveira instigou a plateia a refletir sobre o porquê da escolha pela carreira da magistratura e concluiu afirmando que “se não se fizerem essa pergunta, certamente depois de algum tempo vocês adoeceram, porque o mundo corporativo é um mundo de doenças psíquicas”.
O desembargador destacou ainda a preparação de juízes, antes pautada pelo dogmatismo jurídico, e que agora exige novos eixos temáticos, como eticidade e alteridade. Para ele, “o juiz que perdeu a capacidade de se colocar no lugar do outro, perdeu a capacidade de ser juiz, porque julgar certamente não é uma operação matemática”.
Ministro do TST aborda formação de juízes
Participou também do último dia do evento, o ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST) e diretor da Enamat (Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados do Trabalho), Luis Phillippe Vieira de Mello.
O ministro falou sobre o papel da Enamat, a mudança na formação dos magistrados, além do futuro das Escolas Judicias e os novos eixos de formação. Para Vieira de Mello, os novos eixos mudam a perspectiva de uma formação dogmática e se concentram no desenvolvimento de habilidades e competências no exercício da atividade jurisdicional e sobretudo em questões sobre o universo em que o magistrado está inserido.
Nesse contexto, o ministro destacou que “as redes sociais são importantes no processo formativo para viabilizar uma série de questões, processuais inclusive. Mas ela tem um lado perverso, e o juiz, na sua condição de representante do Estado, tem que ter cautela na utilização destes espaços.”
Ao falar da Justiça do Trabalho, o ministro destacou que “não tem justiça tão bem equipada, aparelhada e eficiente como a justiça do trabalho”.
Oficinas
Durante toda a quinta (11) foram oferecidas oficinas voltadas para execução, conciliação, Direito Digital e PJe Calc.
Os magistrados puderam participar de duas oficinas diferentes, uma em cada turno.
Novas tecnologias
A manhã do terceiro dia do evento, quarta-feira (10), foi dedicada ao debate sobre os impactos da tecnologia, nanotecnologia, plataformas digitais, capitalismo e cooperação. Mediando a mesa do debate, o coordenador da Ejud5, juiz Danilo Gaspar, destacou que “é desafiador esse enfrentamento, não só pelo tema, mas pelo formado proposto para tratar de um assunto sensível, difícil e novo para todos nós a partir de uma perspectiva bastante democrática”.
Para o advogado Ivandick Rodrigues, a inovação tecnológica é a “nova mola propulsora da corrida empresarial de riquezas”. Em sua apresentação, Rodrigues destacou os princípios básicos que a nanotecnologia deveria observar para sua integração efetiva no meio ambiente de trabalho, como a exposição a agentes físicos, químicos ou biológicos. Segudno dados da OIT (Organização Internacional do Trabalho), o Brasil ocupa o 4º lugar no ranking mundial de acidentes de trabalho, isso significa que a cada 48 segundos acontece um acidente de trabalho e a cada 3h38 um trabalhador perde a vida pela falta de uma cultura de prevenção à saúde e à segurança do trabalho.
Finalizando a explanação, o advogado provocou: “Será que estamos apenas interessados em obter esse material causando dano ambiental, causando danos às pessoas e enriquecendo só uma parcela da população? Ou será que queremos transformar a nanotecnologia em uma política de Estado, que traga bem-estar e justiça social para todos?
Em seguida, foi a vez da advogada Daniela Muradas, que iniciou sua apresentação abordando os efeitos prejudiciais da tecnologia na vida humana. Para ela, “a tecnologia pode não significar avanço, pode chegar no campo do insucesso” e citou como exemplo o senso de localização. “Quando não tínhamos GPS, Waze, prestávamos atenção no caminho”.
A advogada falou ainda sobre a tecnologia e suas implicações no mundo do trabalho e defendeu que é preciso discutir “se as características do vínculo de emprego se mantém presentes ou se teremos que adequar o conceito à realidade das novas tecnologias”. Muradas afirmou ainda que o desenvolvimento tecnológico normalmente é bem aceito quando atende aos interesses das classes dominantes. “A aplicação da tecnologia e seus impactos no direito do trabalho, normalmente, são aceitos com maior alegria quando se trata de interesses econômicos. E normalmente criam polêmicas sem fins e não avança em nada quando se trata de direito da classe trabalhadora”.
Representando o aplicativo de transporte itMOV, o CEO Odair Conceição, falou sobre a criação da empresa soterapolitana e a caracterização da relação de emprego entre os motoristas e os aplicativos. De acordo com ele, não há vínculo empregatício nessa relação, e é importante a discussão do tema, “porque existe uma gama de dúvidas com relação à forma da mobilidade e seus meandros internos. Então o debate permite que se enxergue o que é a mobilidade de fato e a partir dali construa novos conceitos ou reformule os existentes.”
Também participou do debate o presidente do Simactter (Sindicato dos Motoristas por Aplicativos e Condutores de Cooperativas do Estado da Bahia), Átila Teixeira. O sindicalista apontou as dificuldades enfrentadas pela categoria, ressaltando que essa é uma oportunidade para melhor entendimento de como funciona essa relação entre aplicativo e motorista. “Tenho certeza que a partir dessa discussão o Poder Judiciário terá um entendimento da prática real que mais de 3 milhões de trabalhadores, mais de 28 mil só na cidade de Salvador, estão submetidos, porque quem julga muitas vezes não tem conhecimento do que de fato acontece.”
Garantias judiciais e acidente de trabalho
Durante a tarde de quarta (10) no painel As novas formas de garantia: Fiança bancária e seguro garantia Judicial, o representante da Caixa Econômica Federal, Daniel Romã, abordou fiança bancária com ênfase na questão de contratos de seguros e fianças.
No segundo momento, o advogado Roque Melo falou sobre questões relacionadas ao seguro garantia judicial e explicou que essa não é uma nova modalidade de garantia, “que já conta com 21 anos de existência, desde a primeira apólice com as mesmas características”.
De acordo com ele, as vantagens do seguro garantia são a caução processual idônea, a ausência de ônus ao limite operacional do banco e a não imobilização do capital da empresa junto ao Poder Judiciário, além de ter alta liquidez.
Ainda durante a tarde, o painel com debate sobre acidente de trabalho mostrou estatísticas na área e abordou perícia médica e laudo pericial. O juiz do TRT da 15ª Região (Campinas-SP) Alexandre Alliprandino falou sobre a limitação da jornada do trabalho e defendeu que “não é possível estudar a hora do acidente de trabalho sem observar a quantidade de horas trabalhadas e a intensidade do trabalho feito”. Para Allipandrino, “um olhar ergonômico para as atividades desenvolvidas pelo trabalhador, pode ajudar nas estatísticas dos acidentes de trabalho”.
Para finalizar a tarde do terceiro dia, a médica sanitarista Maria Maeno, abordou como acontece a perícia médica, atentando para as especificidades no caso dos trabalhadores. Maeno observou que a perícia deve buscar o histórico do trabalhador no contexto que o mesmo está situado. De acordo com ela, “o médico perito deve conhecer os cenários do mundo do trabalho”.
A médica falou também sobre a saúde no trabalho e fatos que contribuem para um histórico de doenças físicas e psicológicas. Segundo Maeno, a desigualdade entre homens e mulheres no ambiente de trabalho influencia na saúde das mulheres, causando adoecimento, dano ou agravo.
Em busca da saúde
Na terça-feira (9), a saúde entrou na pauta do TRT5. O juiz do TRT da 9ª Região (Paraná) Luciano Coelho abordou a saúde mental e os problemas do dia a dia do ponto de vista da magistratura. De acordo com uma pesquisa realizada pela Anamatra (Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho) há alguns anos, mais de 40% dos juízes trabalhistas declararam ter diagnóstico de depressão.
Formado em também em Psicologia, Coelho ressaltou que “quando o juiz está com a saúde mental em dia, julga melhor. E o jurisdicionado precisa de um juiz que esteja bem com ele mesmo.”
Durante a tarde, o especialista em Terapia Junguiana Cláudio Sinoti falou sobre a saúde integral e destacou a relação entre a saúde física e mental, focando na integralidade da vivência humana e no equilíbrio como forma alcançar o bem-estar.
Corregedoria
No espaço destinado à Corregedoria, na terça-feira (9), a desembargadora corregedora Dalila Andrade falou sobre as dificuldades orçamentárias da Justiça do Trabalho, destacando que “não poderemos nomear nenhum servidor para cargos vagos existentes por aposentadoria devido à restrição orçamentária”.
A corregedora abordou ainda as férias dos magistrados. De acordo com informações obtidas por ela, “não haverá dinheiro para pagamento da gratificação de férias do 3º período”, referindo-se aos magistrados que têm férias acumuladas.
Preocupada tanto com o direito dos magistrados de usufruírem das férias quanto com o funcionamento do Regional, “pois temos que pensar no jurisdicionado, o Tribunal não pode parar”, Andrade disse que objetivava contar com a colaboração dos magistrados e com a intervenção da Amatra5. “Vamos conversar e chegar a um denominador comum que atenda aos interesses de vocês para reduzir a possibilidade de indeferimento de férias, ao mesmo tempo, garantir o direito dos colegas, priorizando os colegas que têm férias acumuladas”.
Por fim, a desembargadora anunciou que a Corregedoria Regional decidiu não modificar os juízes substitutos designados nas varas que não alcançaram mil processos no ano passado. “Vamos aguardar mais estabilidade”, concluiu.
Ejud5 (Silvana Costa Moreira e Jorge Barretto) – 15/4/2019