O ministro Luis Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), afirmou na noite dessa quinta-feira (24), em conferência realizada no Tribunal Superior do Trabalho (TST), que é árduo o trabalho de quem interpreta a lei, mas também extraordinário, em razão da missão de traduzir para o caso concreto aquilo que a lei proclama em abstrato. Fachin fez a conferência inicial do Seminário sobre Hermenêutica Constitucional e Direito Social, promovido pela Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados do Trabalho (Enamat).
Constituição
Na abertura do seminário, o presidente do TST, ministro Brito Pereira, ressaltou a relevância do tema para a Justiça do Trabalho, sobretudo num momento de tantas mudanças sociais e em que a Constituição da República completa 30 anos. “A hermenêutica é a ciência que nos permite compreender os textos com os quais lidamos todos os dias no Tribunal Superior do Trabalho”, assinalou.
O ministro destacou também que os direitos sociais são o material primordial da Justiça do Trabalho. “Aqui estudamos a Constituição com olhos para os direitos sociais. É o nosso ramo”, afirmou, lembrando que os ministros do TST se deparam diariamente com temas constitucionais nos processos.
Para o diretor da Enamat, ministro Vieira de Mello Filho, o tema da hermenêutica é fundamental para o Poder Judiciário como um todo, pois vivemos um momento de grande discussão nacional em termos de exigências de categorias e de reivindicação de direitos. “Há uma grande controvérsia instalada no país, e a hermenêutica vinculada a direitos sociais nos pareceu um tema relevante para pensarmos a forma de aplicação das leis”.
A abertura contou ainda com a presença da procuradora-geral da República, Raquel Dodge, da ministra Rosa Weber, do STF, do procurador-geral do Trabalho, Ronaldo Fleury, e dos ministros do TST Guilherme Caputo Bastos e Kátia Arruda.
Premissas
Segundo o ministro Fachin, a hermenêutica constitucional parte de três premissas. A primeira é a compreensão de que o bioma humano e interpretativo pressupõe o pluralismo jurídico, “a percepção segundo a qual não temos lugares de certezas infinitas”. Em tal contexto, as ideias não podem ser, a seu ver, “um interpretável insolúvel”, mas “uma ponte para a construção de soluções”.
O ministro do STF lembrou que os magistrados têm o dever de fundamentação para construir essa ponte, “que não é única nem exclusiva, e que pode ser revista ali na frente”. Nesse sentido, a ideia de pluralidade pressupõe a compreensão da diversidade, de respeito ao outro. “O juízo da certeza cede lugar ao juízo da dúvida, que dialoga com a dúvida e, a partir dela, constrói uma argumentação inclusiva, não excludente”.
A segunda premissa seria a liberdade de expressão de pensamento, que pressupõe a realização do diálogo e o reconhecimento do outro. “Assim não se aniquila ninguém no diálogo”, ressaltou.
A terceira é que, para se viver numa sociedade democrática, com todas as suas “disputabilidades de sentidos”, é preciso a compressão da diversidade e do respeito ao outro. “Nessa alta voltagem em que vivemos, quase que eliminamos a necessidade de temperança e de diálogo”, observou.
Reforma trabalhista
O ministro Edson Fachin disse que a hermenêutica constitucional contemporânea está cheia de desafios, e que há atualmente uma diluição da ordem jurídica e a perda do tônus legislativo. “Há matérias com abundâncias legislativas, e às vezes encontramos um legislador que se abstém”, assinalou.
Como exemplo, citou a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5766, em que a Procuradoria-Geral da República pede que o STF declare a inconstitucionalidade do artigo 790-B da CLT (caput e parágrafo 4º). O dispositivo responsabiliza a parte sucumbente (vencida) pelo pagamento de honorários periciais, ainda que beneficiária da justiça gratuita. “Tivemos, no sintoma do tônus legislativo, uma proclamação em que o legislador infraconstitucional avaliou a seu juízo as possibilidades e os limites da proteção do direito fundamental ao acesso à justiça, confrontando-o com outros bem jurídicos considerados relevantes, como, por exemplo, a economia para os cofres da União”, explicou.
Em situações como essa, o ministro afirmou que é necessário avaliar se a solução dada a esse contraste de direitos atende ao princípio e às regras constitucionais. “Qual é a solução que se tem para esse contraste à luz de uma hermenêutica constitucional, que se projete para direitos que concerne a todos, como direito de acesso à justiça?”, questionou.
“Os dias de hoje parece-me que nos retiraram de uma certa embriaguez hermenêutica porque nem todas as escolhas são possíveis. Nenhum de nós tem uma Constituição para chamar de sua. Portanto, todos temos o dever de superar uma espécie de nirvana constitucional que se estabeleceu entre nós para respondermos, nos limites e nas possibilidades do ordenamento jurídico democrático, aos sentidos possíveis desafiados pelos fatos contemporâneos”.
Idioma
Segundo Edson Fachin, todas essas análises se constroem a partir de dúvidas, de diálogos e de dissensos que fundamentam aquilo que reputa, do ponto de vista tópico e sistemático, ser o “idioma da Constituição”. Trata-se, segundo sua definição, de numa linguagem feita da matéria viva, “e os juízes das relações de trabalho são juízes da matéria mais viva que há na sociedade”, concluiu.
Seminário
O Seminário sobre Hermenêutica Constitucional e Direito Social prossegue hoje e contará com a participação de outros seis renomados especialistas do campo jurídico. Confira aqui a programação completa.
As fotos do seminário estão disponíveis no Flickr do TST.
(RR/CF. Foto: Giovanna Bembom)